domingo, 25 de março de 2012

Odeio gatos



Arrastava-se pela cidade como um mendigo. Um idiota de calças arriadas parecido com aqueles ídolos americanos. Não tinha dinheiro, mas sacava a sua arma de brinquedo, coisa boa, nem parecia imitação de pistola comprada no camelo, importada da puta que o pariu onde morreram uns cem trabalhadores com câncer devido a tinta tóxica utilizada para tingi-la. Morava num muquifo do caralho, peste dos infernos, na beira da estrada na periferia de Brasília. Sua mãe, Odília, sempre dizia para esse otário que se não estudasse iria morrer como o pai, com uma bala na cabeça, amarrado e de joelhos, imitando o porco que sempre foi. Curtia as paradas sinistras, torturava os gatos e cães dos vizinhos só para vê-los se contorcendo de dor até morrer. Fumava como louco, cigarro comprado, roubado, cigarro de palha, maconha, pedra, cheirava um rapé, o que passava na frente estava colocando pra dentro. Frase ordinária essa, mas era bem assim. Gostava da bebida, a forte, nada daquelas águas de menina, líquidos semi alcoólicos parecendo enxague de bocetinhas sem lavar. Passava madrugadas nos bares, sem um puto no bolso, porém com muitos irmãos que lhe davam da maldita sem pagar. Medito a compositor, escrevia no verso das notas de um real, o seu rap salafrário, onde sexo e drogas eram a rima, coisa bonita e de bom gosto dizia ele para as primas: Você tem que escutar! Vangloriava-se de ser músico, o melhor do bairro, estou fazendo aula de canto e violão por correspondência. Inferno! Como eu odeio esses metidos a besta dizendo que eu não sei tocar, riem da minha cara e falam que eu sou um tapado e burro sem miolos para aprender a cantar. Um dia, quando dava um rolé pela rua da Dona Zica, uma dona gorda, negona com uma penca de filhos, cada um de um pai diferente; viu a filha mais velha, Suzana, a própria, a do rabo quente, aquela mesma. A moça antes recatada, agora de shortinho e blusinha de alcinha, calcinha de tirinhas a mostra, piercing no umbigo, barriga peladinha, e como era gostosa a Suzaninha com aquela calcinha enfiada no rabo. Tratou de chegar na mina, com uma de suas rimas e mandou um: Vamo lá! Arrastou a bandida, safada e galinha pra trás do muro. Disse do tamanho da sua pica, pau duro com treze centímetros e pouco mais de três de espessura. Ao que a Suzana respondeu com um sorrisinho escroto de vaca nada donzela, mordendo os lábios com cara de safada: Eu não me sujo com pouca merda, gostoso. Se é que me entende. Se for esperto com essa língua, meu querido, eu garanto que todos os centímetros não vão importar.
Lá estava o Charles, ou NegoX, como gostava de ser chamado, enfiado na boceta da Suzaninha, agora com a xana toda treinada, gostava de uma trepada em qualquer lugar. Cara malandro e atrevido, adentrou para casa da mulher, de malas e cuia, sem vergonha nenhuma ele andava quase nu pela sala. Passeava pelado na laje, perto das filhas mais novas da dona Zica que encaravam aquela piquinha do NegoX e se riam dizendo: É só isso meninas!
Uma noite dessas em que o inferno resolve conspirar, NegoX, com uma ideia fixa na mente, resolveu sair pra dar um rolé, deixou a Suzaninha em casa, afinal de contas, pra que levar mulher? Eu vou caçar uma buça nova, já to enjoado de comer de colher, quero comer um rabão sem ter muito que esperar, só que ela se vire e me diga que quer.
Percorreu as ruelas do bairro sujo, esgotos correndo a céu aberto, todo tipo de bosta e inseto possível ali. Ratos e gatos eram parecidos, até amigos se bobeasse, lembrando que tinha visto um rato comendo a carcaça de um gato que tinha sido atropelado pelo caminhão de lixo e as tripas estavam esmagadas no meio da rua, cheias de moscas e baratas imundas rodeando o asqueroso animal estrebuchado. – Odeio gatos, tenho nojo deles! Chegando a altura da rua de cima, É! na periferia tem muito disso, rua de cima, rua de baixo, rua da casa do caralho, tem de tudo. Enfim, chegando lá, viu os malandros na esquina, apertando a menina pra roubar e que mais eles quisessem com ela. Covarde, mesmo metido a esperto, deu uma carreira pra trás pensando: – Se eu to lá até pro meu buraco sobra! Malandro que é malandro sabe que no buraco dos outros não deve entrar, só com autorização. NegoX adorava um buraquinho, de trás então, era especialista. Pegava solteira, casada, viúva, donzela, travesti, o que tivesse na pista. Quase chegando em casa, faltando uns passos do portão, ouviu alguém gritar: – Malandro, larga de ser safado! Viu acertar minhas contas contigo, achou que eu ia esperar quanto tempo pra receber minha grana? Era o Nequim galinha ou Neco, famoso por roubar as galinhas dos vizinhos e vender de porta em porta. Pois é, Neco também emprestava dinheiro a juros, agiota procurado, comprou um carro do ano só no migué. Gritando e xingando, Neco empurrava NegoX, dizendo: Filho da puta, eu quero o meu dinheiro, agora não tem mais chance, tu vai morrer! NegoX, que corria como ninguém, acostumado por fugir de bandido e polícia, correu para o outro lado da esquina, seguido por Neco que encurralou o imbecil num beco, perto de um monte de lixo fedendo com tudo quanto é bicho. Disparou seu Magnum 500. Neco era bravo, até pistola cara tinha. NegoX tomou um tiro na barriga que lhe varou de um lado ao outro, tiro que pegou perto do intestino grosso, esse mesmo, onde passa a merda para depois o cu finalmente cagar. Estrebuchando como o gato atropelado pelo caminhão, bichano morto que viu a pouco, NegoX celebrou a sua glória, a profecia da mãe Odília, morreu como porco em meio a lama e esgoto, aos restos e ratos, como babaca que sempre fora.
Suzana, pela manhã, após levantar e perceber que NegoX não estava em canto nenhum da casa, desconfiada com a demora de Charles e já puta da vida porque o malandro não atendia o celular, resolveu ir até o vizinho André, Dézinho, dono da boca de fumo do bairro, onde NegoX costumava ir para comprar e curtir os bagulhos. Ao se aproximar da casa de André, que ficava perto da esquina, três barracos antes do beco, Suzana viu a movimentação de carros de polícia e dos moradores que formavam uma merda de uma multidão na entrada do beco. – Que porra é essa que tá acontecendo ali? Perguntou Suzana a si mesma. Ao se aproximar, Dézinho chegou de mansinho em Suzana e disse: Oh Suzana, você sabe do NegoX? Ao que ela respondeu:  – Não, to procurando aquele peste desde cedo. Pois é mulé, disse Dézinho, tá lá no beco. Queimaram ele! Suzana ficou mais branca que defunto de três dias e, ameaçando um desmaio, logo voltou a si e saiu correndo pra casa para avisar a Dona Zica que o filho da puta do marido tava morto. Ao chegar em casa, ainda transtornada e tremendo que nem vara verde, Suzana disse para a mãe: – A Sra não sabe o que aconteceu. O que fia? Perguntou Dona Zica. O Charles tá morto lá no beco, mataram ele mãe, mataram. Dona Zica sem pestanejar apenas disse: Já foi tarde aquele bicho burro. Agente cansou de dizer para ele sair dessa vida e ele continuava mexendo com as paradas erradas. Não se preocupe minha filha, você é nova, tá com 27 anos só, daqui a pouco encontra outro homem que lhe ajude a cuidar dos bacuris. Suzana já tinha um filho, que não era de Charles e estava grávida do falecido. Na nossa vida filha, agente tem que aprender a se virar, o seu marido tá morto, mas você tá viva, vai continuar e vai dar tudo certo. Tem que arrumar um emprego para ajudar a mãe aqui criar as crianças. Quando for arrumar outro homem, não arrume essas merdas que tem pegado, arrume um homem bom e trabalhador. Disse a Dona Zica para a filha que, chorando muito, respondeu: – Tá certa mãe! 
Eu, camarada Rodrigo, Digo para os mais chegados, vizinho e inimigo daquele zé bunda, vi quando a Suzana veio gritando pela rua que nem doida, aquela piranha maluca: – Mataram o otário, mataram o otário! 

O louco caminha pela rua,
encolhido corpo, zumbi
de olhos esbugalhados
boca desenfreada, cavalo
montado por demônios
balbucia frases ao diabo

Eterno maluco, o sereno
é a sua casa, onde dorme,
remói seus podres sonhos
da vida promíscua, onda
fétida de bosta no ar
vagalhão de torpezas
bem alto começou a gritar:

Puta! Puta merda!
Puta vida! Puta de tudo
me soube roubar

Roliça, preguiçosa puta
Puta, cachorra
de rabo empinado pra dar
Piranha! É! Você é puta!
Suja e nojenta puta.
Nem adianta dizer:
eu não vou calar.

Desentendidos todos
putos imundos
transeuntes  fecham
os ouvidos surdos,
fingindo, malditos!
Amordaçadas bocas
jamais irão contestar.

Joice Furtado - 25/03/2012

1 comentários:

Al Reiffer disse...

Gostei da intensidade dos teus textos, e do teu gosto pela arte de Bosch.